Índice
Direito Administrativo
- Afastamento de bombeiro militar soropositivo – conduta discriminatória da corporação
- Gravidez silenciosa – queda de recém-nascido de maca durante trabalho de parto – abandono em chão de hospital público – dano moral
Direito Civil e Processual Civil
- Agiotagem – empréstimo em dinheiro – pagamento do valor principal
Direito Constitucional
- Divulgação de ato íntimo em canal de TV – limites à liberdade de imprensa – dano moral
Direito da Criança e do Adolescente
- Disputa da guarda de criança entre avó materna e genitor – guarda provisória compartilhada – melhor interesse do menor
Direito do Consumidor
- Cárcere privado de clientes em restaurante – cobrança abusiva – dano moral
Direito Empresarial
- Execução fiscal – dissolução irregular de empresa – redirecionamento da execução ao sócio
Direito Penal e Processual Penal
- Estupro de vulnerável – absolvição – discernimento da vítima – garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência
Direito Previdenciário
- Pensão por morte de militar – filha maior de idade – direito em concorrência com a viúva
Direito Tributário
- Seguro-garantia – expedição de certidão de regularidade fiscal – possibilidade
Direito Administrativo
Afastamento de bombeiro militar soropositivo – conduta discriminatória da corporação
Configura ato ilegal e arbitrário o afastamento de bombeiro militar em razão de sua condição de soropositivo, mormente quando apresenta aptidão para o desempenho das atividades laborais, confirmada por perícia médica. Embora não caiba ao Poder Judiciário revisar o mérito administrativo, é possível a realização do controle de legalidade dos atos praticados pela Administração Pública. Na origem, bombeiro militar ingressou com ação de conhecimento contra o Distrito Federal, pleiteando a determinação do ente federado à efetivação de nova matrícula em curso de formação de praças e a condenação ao pagamento de danos morais, em razão de tratamento discriminatório realizado pela corporação. Alegou o requerente que teria sido vítima de preconceito porque fora afastado do serviço e desligado do mencionado curso de aperfeiçoamento por ser homossexual e portador do vírus HIV. Sustentou a ocorrência de abuso moral diante da exigência de parecer médico infectologista, a fim de continuar no desempenho de suas atividades laborais, fato que poderia levar à sua exclusão da corporação. O Juízo singular, por sua vez, julgou procedentes os pedidos para declarar a aptidão do autor para o serviço militar, determinando nova matrícula no pretendido curso de formação sem a exigência de parecer médico, e, também, para condenar o Distrito Federal ao pagamento de trinta mil reais a título de danos morais. Irresignado, o ente estatal interpôs apelação. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores asseveram que, em princípio, não cabe ao Poder Judiciário revisar os atos e as decisões da Administração Pública, entre os quais se inclui o afastamento de servidor do cargo, ou seja, não é dado ao Estado-juiz revisitar o mérito administrativo, sendo possível apenas a invalidação das condutas eivadas de ilegalidade e ou abusividade. Nesse contexto, os Magistrados esclareceram que o autor, inicialmente matriculado no mencionado curso de formação, precisou afastar-se de suas atividades em razão de quadro depressivo, tendo recebido alta de médica psiquiatra alguns meses depois, oportunidade em que a junta de inspeção de saúde do corpo de bombeiros contrariou o parecer da profissional e o manteve afastado. Nesse descortino, destacaram que, apresentado novo relatório médico no qual se constatou a aptidão do requerente para as atividades laborais, a junta médica oficial do corpo de bombeiros manteve seu afastamento por 180 dias, sob o argumento de ser o militar portador do vírus HIV, apesar de reconhecer a remissão de seu quadro psiquiátrico. Nesse contexto, os Julgadores verificaram que o impedimento do autor para o reingresso às atividades militares consistiu em ato ilegal e totalmente arbitrário, denotando, inclusive, cunho discriminatório. Com efeito, a Turma vislumbrou conduta abusiva contrária aos objetivos fundamentais da Constituição Federal, quais sejam, promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), além de verificar ofensa aos direitos relativos à intimidade, à vida privada e à imagem do autor (art. 5º, X). Dessa forma, ao reconhecer violação à dignidade do servidor, caracterizada por conduta preconceituosa, o Colegiado negou provimento ao recurso.
Acórdão 1707239, 07045541320208070018, Relatora: Desª. ANA MARIA FERREIRA DA SILVA, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 31/5/2023, publicado no DJe: 7/6/2023.
Gravidez silenciosa – queda de recém-nascido de maca durante trabalho de parto – abandono em chão de hospital público – dano moral
A ausência de investigação de possível gravidez de paciente com sintomas de gestação silenciosa (sem sinais de abdome gravídico), a consequente queda da criança da altura da maca de hospital público logo após o parto inesperado, seguidas de abandono no piso do consultório sem prestar socorro geram danos morais de responsabilidade do Estado, pela nítida omissão configurada. Na origem, genitora ingressou com ação indenizatória contra o Distrito Federal por falha na prestação de serviço médico na rede pública de saúde durante o trabalho de parto. Na ocasião, o profissional encarregado do atendimento, por negligência e despreparo, deixou o nascituro cair no chão da altura da maca, causando-lhe lesões cerebrais permanentes. A mulher narrou que, sem imaginar que estivesse grávida, buscou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Região Administrativa do Recanto das Emas, por três vezes, em razão de fortes dores abdominais. Contudo, apesar de não terem sido realizados exames específicos, fora diagnosticada com cálculo na vesícula e liberada em seguida. A autora explicou ainda que, como as dores se intensificaram, retornou à UPA mais uma vez, oportunidade em que informou ao plantonista a sensação de estar expelindo “alguma coisa”, mas o médico, de forma rude e sem cuidado, solicitou que ela subisse em uma maca sem escada de acesso. Assim, com a força que a gestante fez para subir, o bebê nasceu, caiu no chão e bateu a cabeça. Nesse momento, o médico, embora tenha presenciado a criança sendo expulsa da bolsa amniótica, abandonou o nascido no piso do consultório, sem prestar socorro imediato. A requerente afirmou, outrossim, que, depois de longa espera, referido clínico se recusou a segurar a recém-nascida, que fora atendida pela equipe de enfermagem e levada para a UTI do Hospital de Base, onde recebeu os cuidados necessários. O Juízo de primeira instância julgou procedente o pedido e condenou o DF a pagar cem mil reais, por danos morais. Insatisfeito com a condenação, o ente federativo interpôs apelação, por meio da qual sustentou que o profissional teria entrado em “choque” ao perceber o trabalho de parto em estágio adiantado, em vez de esperada consulta clínica de rotina, circunstância que, somada à falta de estrutura adequada do nosocômio, teriam levado ao erro no protocolo recomendado para a hipótese. Ao examinarem o mérito do recurso, os Desembargadores aduziram ser incontroversa a queda do recém-nascido durante o parto, as reanimações, a internação em UTI com medicações de uso contínuo e por tempo indeterminado e as possibilidades de sequelas futuras. Com efeito, destacaram trechos do depoimento do médico nos quais ele afirmou não ter sequer imaginado o nascimento da criança naquelas circunstâncias. Nessa toada, enfatizaram que o profissional confirmou a suspeita de morte do nascituro, ao fundamento de que o neném não teria chorado, estava com a tez azulada – pela ausência de oxigênio e por ter ingerido líquido amniótico – e sem batimentos cardíacos perceptíveis. Para os Magistrados, o dano é consequência direta da incapacidade do Estado de prestar serviço médico adequado, com base na Teoria da Culpa do Serviço Público ou Faute du Service, especialmente por não investigar a gravidez de paciente com diversos retornos, além de diagnosticá-la equivocadamente com pedra na vesícula, sem exame apropriado. Na hipótese, reputaram nítido o despreparo do clínico no parto já em fase de expulsão, o qual omitiu o dever de socorro imediato, abandonando o bebê no chão do hospital, fato suficiente para ensejar a responsabilidade do Estado, nos moldes do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Sob a perspectiva do dano moral, entenderam adequado e proporcional o valor arbitrado pelo Juízo a quo, sobretudo pelo evidente descumprimento do dever de zelo, cuidado e cautela, em especial pela ausência de atendimento humanizado, que poderiam ter evitado as graves consequências experimentadas pelas vítimas. Com isso, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1707395, 07063902120208070018, Relator: Des. JOÃO LUÍS FISCHER DIAS, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 25/5/2023, publicado no DJe: 6/6/2023.
Direito Civil e Processual Civil
Agiotagem – empréstimo em dinheiro – pagamento do valor principal
A prática de agiotagem não é suficiente para dispensar a quitação de quantia recebida de empréstimo, embora autorize a adequação da taxa de juros aos parâmetros legais. Empresa financeira ajuizou ação monitória contra emitente de cheques, devolvidos por insuficiência de fundos, a fim de receber os valores devidos. A devedora alegou que os títulos de crédito são relativos à garantia de mútuo feneratício, ou seja, empréstimo com cobrança de juros, e que a dívida teria sido quitada por meio de nota promissória exigida em outro processo judicial. O Juízo de origem julgou procedente o pedido, ao fundamento de que não se provou a quitação da dívida, constituindo de pleno direito o título executivo judicial, o qual deverá ser corrigido monetariamente a partir da emissão das cártulas e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a data da primeira apresentação de cada título até o efetivo pagamento. Inconformada, a requerida recorreu, oportunidade em que sustentou a prática de agiotagem e a possível nulidade do negócio jurídico subjacente à emissão dos cheques, pois seriam fruto de usura, ante a alegada cobrança de juros extorsivos. Os Desembargadores explicaram que a ação monitória é procedimento especial em que o credor pode cobrar mais rapidamente quantia devida da qual detenha prova escrita sem eficácia de título executivo (art. 700 do Código de Processo Civil). Destacaram que a prática de agiotagem não desobriga a quitação do débito, em especial quando oriundo de empréstimo de dinheiro efetivamente usufruído, embora legitime a redução dos juros aos limites legais. Com efeito, os Magistrados ressaltaram que a Medida Provisória 2.172-32/2001 estabelece a nulidade das cláusulas contratuais que estipulem taxas de juros superiores aos parâmetros previstos em lei. Nesse contexto, prevê a inversão do ônus da prova quando há verossimilhança da alegação de usura, de modo a imputar ao credor a comprovação da validade do negócio jurídico. Explanaram que a agiotagem consiste no empréstimo de dinheiro com juros extorsivos, cuja cobrança constitui crime contra a economia popular, denominado usura pecuniária ou real (art. 4º da Lei 1.521/1951). Nessa linha, os Julgadores frisaram que fica evidenciado o indício da prática de agiotagem quando os juros remuneratórios previstos em contrato de empréstimos de valores entre particulares extrapolarem o limite de 1% ao mês, como legalmente permitido. No caso concreto, o Colegiado concluiu que a apelante não comprovou a quitação do mútuo nem apresentou provas, ainda que meramente indiciárias, de cobrança abusiva de juros. Assim, ao considerar a prevalência da prova documental escrita representada pelos cheques, a Turma negou provimento ao recurso.
Acórdão 1707147, 07270250620228070001, Relator: Des. HECTOR VALVERDE SANTANNA, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 24/5/2023, publicado no DJe: 9/6/2023.
Direito Constitucional
Divulgação de ato íntimo em canal de TV – limites à liberdade de imprensa – dano moral
Os veículos de comunicação detêm o direito à liberdade de expressão, todavia devem resguardar a honra de pessoas envolvidas em matérias jornalísticas, sob pena de serem civilmente responsabilizados por difusões abusivas. Emissora de televisão condenada ao pagamento de indenização por dano moral no montante de duzentos mil reais a uma pessoa identificada em reportagens interpôs apelação, por considerar que atuou nos estritos limites do direito à manifestação do pensamento. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram, inicialmente, que as notícias propagadas diziam respeito à captura de imagens de atos íntimos ocorridos em espaço público e à repercussão disso no canal televisivo. Em seguida, esclareceram que a Constituição Federal prevê a liberdade de expressão como garantia fundamental conferida à imprensa (art. 5º, IV). Contudo salientaram não se tratar de preceito absoluto, porquanto passível de sofrer limitações, notadamente nos casos de abuso de direito (art. 187 do Código Civil). Nesse contexto, os Julgadores destacaram que as provas dos autos evidenciaram transmissões em TV aberta sem a permissão de um dos indivíduos envolvidos no caso. Destacaram também o vazamento do conteúdo por diferentes veículos de comunicação e redes sociais, o que só aumentou a exposição indevida dos acontecimentos. Ressaltaram que cabia à empresa a não divulgação do material jornalístico produzido por seus funcionários, porquanto tinham a decisão de levar ao ar ou não aquele tipo de material personalíssimo. Acrescentaram que o momento de intimidade entre duas pessoas, independentemente das circunstâncias, não deveria ter sido revelado a terceiros sem qualquer vínculo com a dupla. Aduziram, assim, que a superexposição causou constrangimento e humilhação a um dos envolvidos, notadamente pela forma “abjeta” de descrição de minúcias da cena. Entenderam, dessa forma, que a apelante extrapolou o direito de informação, ao publicizar conteúdo aviltante à honra e à imagem da ofendida, na busca pela audiência e exclusividade da notícia, conduta apta a gerar o dever de reparação. Nesse cenário, a Turma concluiu que, na hipótese, deve prevalecer o respeito à honra (art. 5º, V e X, da Constituição Federal), em detrimento da liberdade de manifestação de pensamento. Por fim, deu parcial provimento ao recurso para reduzir o quantum da indenização para cinquenta mil reais, valor considerado proporcional à situação vivenciada.
Acórdão indisponível para consulta. Relator: Des. FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Sétima Turma Cível, data de julgamento: 10/5/2023, publicado no DJe: 5/6/2023.
Direito da Criança e do Adolescente
Disputa da guarda de criança entre avó materna e genitor – guarda provisória compartilhada – melhor interesse do menor
A divergência quanto à fixação da guarda de criança entre o pai e a avó materna, após o falecimento da genitora da menor, deve respeitar o princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente. Dessa forma, enquanto pendente a instrução processual, a guarda provisória compartilhada apresenta-se como solução mais prudente, de forma a preservar a saúde emocional da infante e compatibilizar o convívio com ambos os ascendentes. Genitor ajuizou ação de busca e apreensão da filha contra a avó materna, após esta ter se recusado a devolver a neta, entregue pelo pai para passar um breve período com a requerida dias depois do óbito da mãe da menor. Pouco tempo depois, a avó ajuizou ação de guarda contra o pai da neta. A tutela provisória de urgência pleiteada na ação de busca e apreensão foi indeferida e houve fixação de guarda provisória compartilhada entre as partes, com lar de referência da avó materna e regime de visitas do genitor, solução apresentada para ambos os processos. Irresignado, o pai da criança interpôs agravo de instrumento. Ao analisar o recurso, o Colegiado aduziu que a concessão da tutela de urgência deve ser justificada por elementos que comprovem probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado do processo (art. 300 do Código de Processo Civil). Ressaltou que tais requisitos foram avaliados pelo Juízo a quo ao indeferir a tutela de urgência, uma vez que a infante, com apenas três anos de idade, passou a morar na casa da avó durante os últimos meses de vida da genitora, local que atualmente tem como referência de lar, conforme constatado em audiência. Assim, entenderam que, na hipótese, não haveria perigo da demora que justificasse a busca e apreensão da criança. Segundo os Julgadores, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente é direito fundamental que assegura ao infante a convivência familiar, conforme consta do art. 227 da Constituição Federal e do art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse contexto, destacaram que, por serem pessoas em desenvolvimento, tais diretrizes servem (só foi mencionado um princípio) para reduzir os choques psicológicos que as alterações de guarda possam ocasionar, sem renunciar ao direito de convívio tanto com o pai quanto com a avó materna. Assim, entenderam que a retirada abrupta da menor dos cuidados da agravada, sem instrução processual e estudo quanto aos impactos psicológicos, poderia ocasionar desgaste emocional e constrangimento à criança, já abalada com a morte da mãe. Além disso, salientaram que, após a instrução processual, sobretudo com a realização do estudo psicossocial, poderá a matéria ser analisada de forma mais adequada e aprofundada pelo Juízo de origem. Por fim, consignaram que, durante a semana, a menina ficaria sob os cuidados da avó paterna, e não diretamente do pai, por razões de trabalho, o que reforça a higidez da decisão ora impugnada. Assim, a Turma concluiu que a guarda compartilhada entre a avó e o genitor, bem como o regime de visitação, é a solução mais prudente e cautelosa para resguardar a incolumidade física e emocional da infante, motivo pelo qual negou provimento ao recurso.
Acórdão 1699912, 07015069520238070000, Relatora: Desª. SANDRA REVES, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 10/5/2023, publicado no PJe: 2/6/2023.
Direito do Consumidor
Cárcere privado de clientes em restaurante – cobrança abusiva – dano moral
A retenção de clientes em estabelecimento comercial condicionada à quitação de valor de comanda por aqueles contestada constitui violação a direito da personalidade das pessoas submetidas à situação de confinamento, geradora de reparação por danos morais. Amigos reunidos para a virada do ano no Rio de Janeiro decidiram almoçar, na ocasião, em um dos restaurantes da cidade, quando perceberam a cobrança de itens não consumidos, no fechamento da conta. Ao questionarem o gerente do estabelecimento acerca das inconsistências, foram submetidos à situação de cárcere privado por mais de quatro horas, encaminhados à delegacia para prestarem esclarecimentos sobre os fatos e só conseguiram ser liberados pelos seguranças do local depois que um dos colegas decidiu pagar a soma. Indignada com a situação, uma das integrantes do grupo ajuizou demanda judicial, a qual foi julgada procedente para condenar a pessoa jurídica ao pagamento de dez mil reais por danos morais. Interposto recurso inominado, o réu alegou inexistência de impedimento para a saída dos clientes e requereu improcedência do pedido ou redução do valor condenatório para mil reais. No exame da matéria recursal, os Magistrados registraram, ab initio, que o fornecedor responde pelos danos causados a consumidores por defeitos na prestação de serviços, independentemente de ter agido com culpa, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Ressaltaram que a obrigação de reparar o prejuízo poderá ser afastada se comprovado que o evento não ocorreu, que o alegado defeito não aconteceu ou, caso existente, sobreveio por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. No caso concreto, os Juízes constataram que a empresa não demonstrou a regularidade dos valores exigidos, tampouco fez prova de que os itens constantes do somatório teriam sido efetivamente consumidos. Por outro lado, consideraram verossímeis os argumentos da autora quanto ao impedimento de sair do logradouro, ao que acrescentaram: “aquilo que era para ser um momento festivo, de lazer e descontração com amigos, transformou-se em episódio constrangedor e vexatório”. À vista disso, entenderam que a retenção das pessoas e o encaminhamento do grupo até a delegacia configuraram restrição abusiva de liberdade, elementos suficientes para demonstrar violação aos direitos da personalidade da requerente. Por fim, o Colegiado manteve a condenação, mas reduziu para cinco mil reais o quantum indenizatório, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Acórdão 1704617, 07407051320228070016, Relator: Juiz Daniel Felipe Machado, Terceira Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 22/5/2023, publicado no DJe: 2/6/2023.
Direito Empresarial
Execução fiscal – dissolução irregular de empresa – redirecionamento da execução ao sócio
Presume-se a dissolução irregular de sociedade empresarial por meio de certidão de oficial de justiça que informa a não localização da empresa no endereço designado como domicílio fiscal. Tal situação legitima o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios, mormente quando a baixa cadastral se dá após as diligências para a citação nas ações de execução fiscal. Na origem, o Distrito Federal ajuizou ação de execução fiscal contra empresa, requerendo o redirecionamento do procedimento executório para inclusão do sócio-administrador no polo passivo. O Juízo singular, ao considerar que a sociedade empresária fora extinta regularmente, com a devida baixa na Receita Federal, indeferiu o pedido. Além disso, entendeu que seria necessário procedimento administrativo ou judicial próprio para apuração da responsabilidade, a fim de demonstrar a prática dolosa de irregularidade fiscal. Irresignado, o ente estatal interpôs agravo de instrumento. Ao apreciarem o recurso, os Desembargadores esclareceram que, na tentativa de realizar a citação da executada, o oficial de justiça certificou que a empresa já não mais se encontrava instalada no local designado há pelo menos sete meses. Dessa forma, os Magistrados ponderaram que a pretensão de redirecionamento da execução fiscal contra o sócio encontra amparo na dissolução irregular da sociedade empresarial, uma vez que deixara de funcionar no seu domicílio fiscal sem a devida comunicação aos órgãos competentes, conforme preconiza a Súmula 435 do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, os Julgadores destacaram que, embora tenha havido, de fato, a baixa cadastral, tal providência fora realizada após inúmeras diligências voltadas para perfectibilizar a citação da empresa, situação configuradora de indício apto a demonstrar que a extinção antecedeu a formalização do encerramento de suas atividades perante os órgãos oficiais. Nesse esteio, a Turma concluiu que a dissolução irregular da empresa, decorrente da não localização no seu endereço comercial, constitui elemento autorizador do redirecionamento da execução fiscal, ainda que o nome do sócio não conste na certidão da dívida ativa. Dessa forma, em atenção ao princípio da veracidade dos dados registrais da empresa, o Colegiado negou provimento ao recurso.
Acórdão 1701941, 07402041020228070000, Relatora: Desª. LUCIMEIRE MARIA DA SILVA, Quarta Turma Cível, data de julgamento: 11/5/2023, publicado no DJe: 9/6/2023.
Direito Penal e Processual Penal
Estupro de vulnerável – absolvição – discernimento da vítima – garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência
A pessoa maior de idade com deficiência detém autonomia e discernimento para anuir ao ato sexual, de modo que não configura crime de estupro de vulnerável o relacionamento íntimo consentido por tais indivíduos. A proteção estatal deve criminalizar apenas condutas que violem a dignidade sexual de vítimas que não podem compreender e assentir na relação. Réu condenado por estupro de vulnerável (art. 217-A, § 1º, do Código Penal) interpôs apelação contra sentença que o condenou a oito anos de reclusão. Pugnou pela absolvição, ao argumento de que não foi comprovado retardamento mental grave da vítima e de que a genitora teria induzido o relato inverídico da filha. Na análise do recurso, os Desembargadores consignaram que, segundo a denúncia, o recorrente, sacerdote da igreja frequentada por mãe e filha, teria se aproveitado da condição de deficiência mental desta e da ausência momentânea de parentes na residência da família para praticar a conjunção carnal e os atos libidinosos. Esclareceram, contudo, que o laudo pericial juntado aos autos foi conclusivo para a ausência de violência, além de registrar a falta de espermatozoides no material coletado. Em relação à incapacidade da vítima, equipe técnica especializada em psicopatologia forense da Polícia Civil do DF, chamada a se manifestar nos autos, não observou comprometimento cognitivo. Acrescentou, por outro lado, que o contexto familiar não favoreceu o desenvolvimento e a autonomia da periciada. A conclusão dos experts, portanto, foi pela existência de vulnerabilidades decorrentes de limitação com a linguagem, devido à surdez e ao transtorno mental, preservada, porém, a área intelectiva. O Colegiado ressaltou que a forte influência psicológica da genitora sobre a filha não foi suficiente para impedi-la de afirmar em depoimento que se relacionou com o réu. Confirmou, inclusive, troca de beijos, de fotos íntimas e conjunção carnal consentida. Os Julgadores destacaram que, embora o crime de estupro de vulnerável seja “um dos delitos mais sensíveis da esfera penal”, a condenação do réu não se sustenta. Primeiro, porque a vítima contava com 21 anos à época dos fatos, segundo, porque detinha consciência sobre o ato sexual e com ele consentiu, uma vez demonstrado que a deficiência não lhe retirou a capacidade e o discernimento necessários para anuir à relação. Ressaltaram que o Estado brasileiro estabeleceu políticas públicas voltadas para o reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos de pessoas com deficiência, por meio da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009), cujo objetivo foi a autodeterminação delas. Asseveraram, outrossim, que, apesar de a conduta do réu estar tipificada penalmente, o Estado fomenta o livre exercício da sexualidade de tais indivíduos, de forma autônoma e sem condicionantes discriminatórias. Assim, concluíram ser necessário compatibilizar a regra do art. 217-A, § 1º, do Código Penal com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Por fim, a Turma considerou o fato atípico e, com isso, deu provimento ao recurso do réu para absolvê-lo, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.
Acórdão 1694750, 00184702720168070009, Relator: Des. ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 4/5/2023, publicado no PJe: 1º/6/2023.
Direito Previdenciário
Pensão por morte de militar – filha maior de idade – direito em concorrência com a viúva
Filha de militar falecido, cujo pai ingressou na corporação antes de dezembro/2000 e optou por manter os benefícios da Lei 3.765/1960, tem direito ao recebimento da pensão por morte daquele, em concorrência com a viúva, ainda que maior e capaz. O valor do auxílio-funeral pode ser dividido entre duas beneficiárias, desde que ambas estejam habilitadas a receber. A viúva de um policial militar ajuizou ação de obrigação de fazer contra o Distrito Federal e os filhos do falecido, a fim de obter o cancelamento da pensão por morte recebida pela prole, o recebimento do benefício não depositado no mês do óbito, além do auxílio-funeral. Alegou que os filhos do outro casamento do militar já contariam com mais de 24 anos de idade, o que afastaria a condição de beneficiários. Relatou ter efetuado sozinha os pagamentos das despesas com o sepultamento, razão pela qual teria direito ao recebimento integral do auxílio. Em primeira instância, os pedidos foram julgados improcedentes. Ao analisarem o recurso interposto pela autora, os Desembargadores esclareceram, de início, que a pensão militar é deferida com base nas declarações feitas em vida pelo contribuinte, tendo como ordem de prioridade a viúva e os filhos de qualquer condição, exceto se forem do sexo masculino e maiores de idade, nos casos em que não sejam interditos ou inválidos (art. 7º da Lei 3.765/1960). Explicaram, ainda, que a viúva tem direito à metade do benefício quando concorrer com descendentes do falecido. A parte que sobejar a essa primeira divisão deve ser rateada em cotas igualitárias entre os filhos (art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei 3.765/1960). Para analisar se a filha maior e capaz teria direito à pensão, os Julgadores afirmaram que o caso deve ser julgado sob a ótica da norma vigente na data do óbito do segurado, conforme a Súmula 340 do Superior Tribunal de Justiça. Na hipótese, a morte ocorreu sob a regência da Lei 10.486/2002, que preconiza a garantia da manutenção de benefícios para militar empossado até o final do ano 2000 (Lei 3.765/1960), mediante contribuições específicas e sem qualquer renúncia expressa (art. 35, § 3º, da Lei 10.486/2002), consoante ocorrido na espécie. Assim, entenderam que a filha possui direito de receber o benefício, motivo pelo qual rejeitaram o pedido para exclusão dela como pensionista e, por conseguinte, afastaram a cobrança de valores retroativos pertinentes a essa cota-parte. Os Magistrados asseveraram, ainda, que o militar recebeu proventos regularmente no mês do falecimento, outubro de 2021, razão pela qual não há pagamento de pensão em período idêntico. Com relação ao pleito para recebimento do valor integral do auxílio-funeral, o Colegiado aduziu que são irrelevantes as alegações sobre quem pagou as despesas do velório, uma vez que a verba não tem natureza compensatória e a legislação exige apenas requerimento na esfera administrativa como requisito para o pagamento. Como a viúva e a filha fizeram a solicitação e ambas estão habilitadas a receber, concluíram que o benefício deve ser repartido igualitariamente entre elas. Por fim, negaram provimento ao recurso.
Acórdão 1710221, 07144519420228070018, Relator: Des. ROMULO DE ARAUJO MENDES, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 31/5/2023, publicado no DJe: 15/6/2023.
Direito Tributário
Seguro-garantia – expedição de certidão de regularidade fiscal – possibilidade
O seguro-garantia e a carta de fiança bancária, embora não sejam meios hábeis para suspender a exigibilidade do crédito tributário, por ausência de previsão legal, podem ser utilizados para viabilizar a obtenção de expedição de declaração de regularidade fiscal. Instituição bancária ingressou com ação anulatória de débito fiscal contra o Distrito Federal para desconstituir valores de IPVA (Imposto Sobre Propriedade de Veículo Automotor) inscritos em dívida ativa, com pedido de tutela provisória de urgência para suspender a exigibilidade do crédito tributário e obter certidão de regularidade fiscal, em razão da apresentação de seguro-garantia. Indeferida a antecipação de tutela, o banco interpôs agravo de instrumento, com os mesmos argumentos da inicial. Ao analisarem o recurso, os Desembargadores esclareceram que as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário – impeditiva da prática de quaisquer atos executivos relativos à dívida discutida – se encontram taxativamente previstas no art. 151 do Código Tributário Nacional. Noutro giro, explicaram que a fiança bancária e o seguro-garantia são meios idôneos para garantir débitos inscritos em dívida ativa, executados ou não, nos termos da Portaria DF/PG 378/2019. Nesse contexto, segundo o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, asseveraram que a fiança bancária e o seguro-garantia, ainda que oferecidos no valor integral da dívida, não são equiparáveis ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por falta de previsão legal. Acrescentaram que, contudo, tais garantias possibilitam ao contribuinte a obtenção de certidão de regularidade fiscal – nesse sentido, tema 237 do STJ. Alfim, a Turma deu provimento parcial ao recurso para acolher a garantia ofertada, com o efeito único de viabilizar a obtenção de certidão positiva com efeito de negativa.
Acórdão 1703777, 07043545520238070000, Relator: Des. LEONARDO ROSCOE BESSA, Sexta Turma Cível, data de julgamento: 17/5/2023, publicado no PJe: 9/6/2023.
Informativo
1ª Vice-Presidência
Desembargador Primeiro-Vice-Presidente: Angelo Canducci Passareli
Desembargadores integrantes da Comissão de Jurisprudência: Sandoval Gomes de Oliveira – Presidente; Roberto Freitas Filho, Maria Ivatônia Barbosa dos Santos, César Laboissiere Loyola e Héctor Valverde Santanna – membros efetivos e Alvaro Ciarlini – membro suplente
Juíza Auxiliar da Primeira-Vice-Presidência: Marília Garcia Guedes
Coordenadoria de Doutrina e Jurisprudência : Thaysa Cristina Silva Goulart
Redação: Alessandro Soares Machado, Ana Paula Gama, Andrea Djanira Santos de Paula, Fernanda Oliveira da Costa Tourinho, Ricardo Machado de Aguiar, Susana Moura Macedo e Tiago de Carvalho Resende Rodrigues
Colaboradores: Cristiana Costa Freitas, Eliane Torres Gonçalves e Letícia Vasco Mota
Revisão: José Adilson Rodrigues
Conversão do texto em áudio: Alexandre da Silva Lacerda
E-mail: jurisprudencia.nupijur@tjdft.jus.br
Este Informativo é produzido pelo Núcleo de Pesquisa e Informativo de Jurisprudência – NUPIJUR